“Resolução histórica” do Partido Comunista foi publicada na semana passada pelo presidente, como haviam feito Mao Tsé-tung e Deng Xiaoping
Na semana passada, o Partido Comunista Chinês (PCC) publicou a terceira edição de sua “resolução histórica”, documento que aborda as principais realizações e as direções futuras a serem seguidas pela sigla e, consequentemente, pela China. O texto, porém, não serve apenas para marcar os cem anos do partido, comemorados no dias 1º de julho deste ano. Acima de tudo, é mais um ato do presidente Xi Jinping na tentativa de elevar sua própria imagem ao patamar de algumas da principais figuras da história do país.
Xi é apenas o terceiro líder chinês a publicar a resolução histórica, depois de Mao Tsé-tung, em 1945, e Deng Xiaoping, em 1981. “Ele tenta se colocar como o herói da épica jornada nacional da China”, analisa Adam Ni, editor da China Neican, uma newsletter focada em assuntos do país asiático. “Ao levar a cabo uma resolução histórica que o coloca no centro da grande narrativa do Partido e da China moderna, Xi demonstra seu poder”, disse ele à rede britânica BBC.
Quase dois terços do documento recém-publicado são dedicados aos nove anos de Xi no poder, com foco nas mudanças feitas por ele na política, na economia, nas relações externas e em outras áreas. O nome do atual presidente aparece 22 vezes na resolução, enquanto Mao Tsé-tung é citado 18 vezes, e Deng Xiaoping, apenas seis, de acordo com o jornal norte-americano The New York Times.
A resolução não se exime de elogiar Deng, por iniciar o processo de crescimento econômico e esmagar os protestos pró-democracia que eclodiram em 1989 e culminaram com o Massacre da Praça da Paz Celestial. Porém, na sequência, argumenta que os problemas começaram a se acumular antes da ascensão de Xi ao poder, em 2012. Nesse sentido, cita sobretudo a corrupção, a indisciplina política e a falta de fé no partido.
“O ambiente externo estava trazendo muitos novos perigos e desafios”, diz a resolução. “Alguns membros do partido e autoridades passaram por graves crises em sua fé política”, prossegue o documento.
Ao contestar algumas das ações dos antecessores, entre elas a abertura política, Xi evidencia a linha-dura de seu governo e dá voz aos críticos que o acusam de reviver os dias de Mao e seu sistema de culto à personalidade. O material deixa de lado os erros do atual governo e relata apenas conquistas, como erradicar a corrupção, reduzir da pobreza e eliminar a oposição política não apenas na China continental, mas também em Hong Kong. Antes dele, a “capacidade da China de salvaguardar sua segurança nacional era insuficiente”, segundo o texto.
Mas a resolução não é apenas um registro histórico dos feitos do atual líder do PCC. Ela tem um objetivo bastante atual. “Também é uma ferramenta para ajudá-lo a reter esse poder”, diz Ni, referindo-se ao Congresso da sigla marcado para 2022 e que deve ratificar a posição de Xi como secretário-geral. Confirmando-se essa expectativa, ele renovará seu mandato para um terceiro ciclo como presidente da China, um processo que tende a se repetir mais vezes no futuro.
Por que isso importa?
O PCC é a maior instituição política do mundo, com mais de 90 milhões de afiliados, e é o epicentro da segunda maior economia do mundo. O “socialismo com características chinesas”, implantado por Deng Xiaoping há quatro décadas, remodelou as ideias da sigla e ajudou a levar o país à posição de liderança global. Nos últimos anos, Xi Jinping tem trabalhado para deixar sua marca nesse processo e igualmente cimentar seu status de figura central na história chinesa.
Líder do governo desde 2012, Xi desenvolveu sua própria visão do conceito de Deng, batizado agora de ‘Socialismo com Características Chinesas Para Uma Nova Era’. Com essa nova interpretação, o presidente se permitiu inclusive inserir seu pensamento no currículo escolar chinês, desde a escola primária até a universidade.
A decisão, agora acompanhada pela resolução histórica, coloca Xi ao lado de Mao Tsé-tung, fundador do partido e cujo pensamento também faz parte do currículo educacional chinês. Antes disso, o conceito do “Socialismo com Características Chinesas Para Uma Nova Era” já havia sido inserido na Constituição chinesa, em 2018.