Chefe da Missão de Monitoramento de Direitos Humanos da organização, Matilda Bogner, apura situação catastrófica no país
A poucas semanas de completar três meses, a guerra na Ucrânia já deixou milhares de civis mortos. E, de acordo com a ONU (Organização das Nações Unidas), o número oficial de vítimas, que até a terça-feira (10) era de 3.381, é uma subnotificação que esconde milhares de baixas. As informações são da agência catari Al Jazeera.
“Estamos trabalhando em estimativas, mas tudo o que posso dizer por enquanto é que são milhares de vítimas a mais do que os números que demos atualmente a vocês”, disse a chefe da Missão de Monitoramento de Direitos Humanos da ONU, Matilda Bogner, durante coletiva de imprensa em Genebra, na terça.
Segundo os dados apresentados por ela, até o momento, são confirmadas 7.061 vítimas civis, com 3.381 mortos e 3.680 feridos em todo o país desde o início dos ataques das tropas russas. “Os números reais são mais altos e estamos trabalhando para corroborar cada incidente”, acrescentou.
A maioria das vítimas civis registradas foi alvo de armas explosivas com uma ampla área de impacto, incluindo bombardeios de artilharia pesada e sistemas de foguetes de lançamento múltiplo, mísseis e ataques aéreos, de acordo com o levantamento da equipe da ONU em atividade no país, composta por 55 monitores. O número elevado de vítimas e a extensão da destruição sugerem ataques indiscriminados e desproporcionais, apurou o grupo de trabalho.
A equipe registrou centenas de escolas (algumas que serviam de abrigo) e hospitais destruídos ou danificados em todo o país. As ofensivas também impactaram no funcionamento de ao menos 50 locais de cultos cristãos, judeus e muçulmanos de diferentes denominações, metade dos quais, segundo a ONU, sofreram danos graves e estão inutilizados.
O acesso limitado a centros médicos elevou as taxas de mortalidade. Parte desse problema deve-se à sensação de medo da população em deixar suas casas ou abrigos para buscar atendimento.
“Na aldeia de Yahidne, fomos informados sobre dez idosos que morreram no porão da escola depois de passar dias ou, em alguns casos, até semanas sem poder sair”, disse Bogner.
Milhares de pessoas, incluindo idosos, mulheres grávidas, crianças e pessoas com deficiência, estão sendo forçadas a se reunir em abrigos subterrâneos e estações de metrô para escapar das explosões.
A violência sexual também está presente. Bogner disse há casos de estupro coletivo, tentativa de estupro, nudez forçada e ameaças de abusos contra mulheres e meninas. “Mulheres e meninas são as vítimas mais citadas”, disse ela, embora haja muitos casos que envolvem homens e meninos.
O Kremlin rechaça as acusações de ataques a civis e mantém a narrativa oficial de que sua “operação militar especial” visa a “desnazificar” a Ucrânia.
O massacre de Bucha
A pressão global por punições à Rússia, a suas tropas e ao presidente Putin aumentou consideravelmente depois que os corpos de dezenas de pessoas foram encontrados nas ruas de Bucha, quando as tropas locais reconquistaram a cidade três dias após a retirada do exército russo. As imagens dos mortos foram divulgadas pela primeira vez no dia 2 de abril, por agências de notícias, e chocaram o mundo.
As fotos mostram pessoas mortas com as mãos amarradas atrás do corpo, um indício de execução. Outros corpos aparecem parcialmente enterrados, com algumas partes à mostra. Há também muitos corpos em valas comuns. Nenhum dos mortos usava uniforme militar, sugerindo que as vítimas são civis.
“O massacre de Bucha prova que o ódio russo aos ucranianos está além de qualquer coisa que a Europa tenha visto desde a Segunda Guerra Mundial”, disse o ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmytro Kuleba, em sua conta no Twitter.
Moscou, por sua vez, nega as acusações. Através do aplicativo russo de mensagens Telegram, o Ministério da Defesa russo disse que, “durante o tempo em que a cidade esteve sob o controle das forças armadas russas, nenhum morador local sofreu qualquer ação violenta”. O texto classifica as denúncias como “outra farsa, uma produção encenada e provocação do regime de Kiev para a mídia ocidental, como foi o caso em Mariupol com a maternidade“.
Entretanto, imagens de satélite da empresa especializada Maxar Technologies derrubam o argumento da Rússia. O jornal The New York Times realizou uma investigação com base nessas imagens e constatou que objetos de tamanho compatível com um corpo humano aparecem na rua Yablonska entre 9 e 11 de março. Eles estão exatamente nas mesmas posições em que foram descobertos os corpos quando da chegada das tropas ucranianas, conforme vídeo feito por um residente da cidade em 1º de abril.
Mais recentemente, Kiev alegou que apenas em Mariupol, que tem sido o principal alvo das tropas russas, foram encontrados ao menos 20 mil corpos de civis mortos. E acusa os soldados russos de depositarem cerca de nove mil cadáveres em valas comuns em Manhush, uma vila próxima à cidade portuária. Ao levar os corpos para outra localidade, o objetivo das tropas de Moscou seria esconder as evidências de crimes.
Vadym Boychenko, prefeito de Mariupol, comparou a descoberta ao massacre de Babi Yar, um fuzilamento em massa comandado nas proximidades de Kiev pelos nazistas em 1941, durante a Segunda Guerra Mundial. Os corpos de cerca de 33 mil pessoas, essencialmente judeus, foram encontrados em valas comuns na ocasião.
“O maior crime de guerra do século 21 foi cometido em Mariupol. Este é o novo Babi Yar. Então, Hitler matou judeus, ciganos e eslavos. Agora, Putin está destruindo os ucranianos”, disse Boychenko. “Precisamos fazer tudo o que pudermos para impedir o genocídio”.
Os mortos de Putin
Desde que assumiu o poder na Rússia, em 1999, o presidente Vladimir Putin esteve envolvido, direta ou indiretamente, ou é forte suspeito de ter relação com inúmeros eventos, que levaram a dezenas de milhares de mortes. A lista de vítimas do líder russo tem soldados, civis, dissidentes e até crianças. E vai aumentar bastante com a guerra que ele provocou na Ucrânia.
Na conta dos mortos de Putin entram a guerra devastadora na região do Cáucaso, ações fatais de suas forças especiais que resultaram em baixas civis até dentro do território russo, a queda suspeita de um avião comercial e, em 2022, a invasão à Ucrânia que colocou o mundo em alerta.