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350 paquistaneses em naufrágio na Grécia: do que eles estavam fugindo?

Aos menos 350 dos migrantes que estavam em um barco de pesca que naufragou em 14 de junho, no litoral da Grécia, eram paquistaneses, segundo afirmou o ministro do Interior do Paquistão, Rana Sanaullah, nesta sexta-feira (23).

A Organização das Nações Unidas (ONU) calcula que entre 400 e 750 pessoas de várias nacionalidades estavam no barco, o qual naufragou a cerca de 80 km da cidade litorânea de Pilos. Além de paquistaneses, havia um número significativo de egípcios e sírios.

Até o momento, há 82 mortes confirmadas e 104 pessoas resgatadas — entre elas, 12 paquistaneses. Ainda há centenas de pessoas consideradas desaparecidas, embora tema-se que tenham perdido a vida no acidente.

Sanaullah afirmou que o Paquistão “possivelmente nunca teve uma perda tão grande [de vidas] em qualquer incidente, mesmo em ataques terroristas.”

Embora a emigração seja algo que há anos faz parte do cotidiano do país asiático, o acidente na Grécia revelou que talvez o número de pessoas tentando sair do Paquistão por vias ilegais esteja crescendo, segundo disse à BBC News Brasil Asif Farooqi, editor da BBC Urdu.

O número de mortes e de pessoas tentando migrar [no barco que naufragou] surpreendeu muitos no Paquistão, inclusive o governo. Isso sugere que há um aumento recente no número de pessoas tentando deixar o país usando rotas irregulares“, explicou Farooqi.

A motivação para este recente aumento na imigração ilegal pode ser atribuída à crise econômica e política que atingiu o país. Ela resultou em níveis sem precedentes de inflação e desemprego.

A inflação no país vem crescendo fortemente desde 2021, chegando em um recorde anual de 37,97% em maio deste ano. Os números são do Departamento de Estatísticas do Paquistão.

Enquanto isso, as reservas internacionais — que pagam pelas importações, incluindo de combustíveis — caíram para um dos níveis mais baixos em décadas.

Foto aérea mostra barco lotado

A ONU afirma que barco que naufragou tinha entre 400 e 750 pessoas a bordo

Soma-se a esse quadro o crescimento sem precedentes no desemprego.

Números registrados pela Organização Internacional do Trabalho desde 1990 mostram que, a partir do primeiro ano da pandemia de coronavírus, o desemprego chegou a níveis jamais registrados — e ainda não houve recuperação satisfatória desde então.

Em 2019, o nível de desemprego no Paquistão era de 4,8% do total da força de trabalho; em 2020, passou para 6,5%; em 2021, foi de 6,3%; em 2022, 6,4%.

É importante lembrar que, embora esteja diminuindo com o passar das décadas, a taxa de natalidade no país é alta se comparada a vários outros países: em 2021, foi de 3,5 nascimentos por mulher, segundo a ONU.

Assim, a organização prevê que o Paquistão será um dos oito países que deve puxar o crescimento da população mundial até 2050.

Mas uma população jovem também traz seus problemas: Asif Farooqi afirma que o desemprego preocupa porque “73% da população tem menos de 35 anos”.

A maioria dos emigrantes ilegais vêm do centro do país, da província central de Punjab. Ali há principalmente áreas agrícolas, mas devido ao aumento da população, a renda familiar desses agricultores não é suficiente“, diz o editor da BBC.

Essa é a principal razão pela qual os mais jovens, que não têm terras suficientes para agricultura e não conseguem encontrar emprego no país, optam por correr riscos e deixar o Paquistão ilegalmente.

O paquistanês Muhammad Hamza, de 30 anos, optou por essa via e entrou no barco que acabou naufragando no último dia 14 na Grécia. Ele conseguiu se salvar pulando na água a partir do convés, onde ficou durante todo o trajeto.

As pessoas gritavam por socorro, algumas balançavam camisas [para chamar a atenção]“, conta, emocionando-se ao lembrar do naufrágio.

Eu consegui encontrar uma garrafa vazia de 1,5L [no mar]. Eu fiquei segurando nela.

Encontrei alguns sírios e egípcios na minha frente, eles estavam com um tubo. Eu me juntei a eles e nós nadamos por cerca de 30, 40 minutos. Até que uma lancha nos resgatou.

Muhammad estava desempregado no Paquistão e diz que decidiu sair de seu país em busca de uma vida melhor, mesmo que tenha tido que desembolsar milhares de dólares pela viagem.

O paquistanês voou de Carachi (Paquistão) para Dubai (Emirados Árabes), depois para o Egito e finalmente pousou na cidade de Bengazi (Líbia).

Muhammad Hamza em sala, sentado no sofá, olhando seriamente para a câmera

Muhammad Hamza estava desempregado e resolveu emigrar; hoje, ele está na Grécia, onde o barco que estava naufragou

Acredita-se que o barco que naufragou partiu do Egito e passou na cidade líbia de Tobruk, onde pegou passageiros.

Muhammad relata que o barco, no qual passou seis noites, tinha péssimas condições.

Egípcios e líbios nos batiam e nos obrigavam a ficar sentados.

Não tínhamos permissão para levantar. Não podíamos nem esticar as pernas. Eles também não nos deixavam falar um com o outro.

Os migrantes ficaram sem comida e água, necessitando beber água do mar e urinar no oceano.

Hamza está morando em Atenas depois de ser liberado do centro de detenção onde os sobreviventes do naufrágio foram mantidos inicialmente.

Ele espera ganhar a vida na Grécia e diz que conseguiu se comunicar com a família na cidade de Gujranwala, em Punjab.

Os parentes estão “aliviados” por ele estar vivo, diz o jovem.

Mas Asif Farooqi, editor da BBC Urdu, diz que mesmo quando sobrevivem aos acidentes, os migrantes paquistaneses que se estabelecem na Europa normalmente continuam precisando fugir de riscos e problemas.

O principal destino é a Europa, onde eles costumam encontrar ‘bicos’. Essas pessoas escutam de contrabandistas que vão encontrar empregos na Europa e, eventualmente, obter a nacionalidade“, aponta Farooqi.

Mas as leis estão ficando mais rígidas em relação aos imigrantes ilegais, então eles passam a maior parte de suas vidas na Europa se escondendo [da fiscalização] e fazendo bicos com baixos pagamentos.

Crise política

Como se não bastassem os problemas econômicos, o Paquistão ainda está se recuperando de enchentes que atingiram o país em 2022 e enfrenta uma série de ataques por grupos radicais — as forças armadas paquistanesas divulgaram recentemente que em 2023 já ocorreram 436 ataques terroristas no país.

A situação política também é crítica, sobretudo depois que o ex-primeiro ministro Imran Khan foi tirado do cargo pelo voto de desconfiança do parlamento, em 2022.

Khan se recursou a aceitar a deposição e promoveu várias manifestações pelo país, enquanto é alvo de diversos processos judiciais e investigações.

Shehbaz Sharif, um experiente político, foi indicado como primeiro-ministro para cobrir o restante do mandato de Khan, de quem é rival.

Espera-se que eleições gerais aconteçam ainda esse ano — ao que tudo indica, mais um capítulo no país que será acompanhado de intensas disputas políticas.

Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/articles/c19pgpg297yo

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