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Covid e questões sociais: Olimpíadas 2020 começam como um reflexo da sua época

Alta de casos, desfalque de atletas, falta de público e manifestações em potencial marcam os questionados Jogos de Tóquio, que começam oficialmente nesta sexta

Estádio de beisebol de Fukushima, uma das sedes das Olimpíadas 2020, que não receberão público
Foto: Jae C. Hong – 22.jul.2021/AP

As Olimpíadas são sempre representantes do seu tempo. Duas guerras mundiais causaram o cancelamento dos Jogos de 1916, 1940 e 1944. A Guerra Fria foi palco de dois grandes boicotes que marcaram a história olímpica: da delegação dos Estados Unidos e aliados aos Jogos de Moscou, em 1980, e o revide soviético na edição seguinte, em 1984, em Los Angeles.

No caso da edição de Tóquio 2020, adiada para 2021 por causa da pandemia, o evento ficará marcado como os “Jogos Olímpicos da Covid-19”, que começam oficialmente nesta sexta (23). O início da cerimônia de abertura está marcada para as 8h (horário de Brasília).

Uma competição sem público, impopular no próprio país e tumultuada pelos casos do novo coronavírus que atingem todos os envolvidos, direta e indiretamente, na disputa esportiva.

Ao mesmo tempo, os Jogos na capital japonesa refletem outra realidade dos tempos atuais. Será, por exemplo, a edição com o recorde de atletas LGBTQIA+, com potencial de trazer à tona, de forma mais aberta que nas competições anteriores, questões como diversidade, racismo e inclusão social.

Esses pontos já apareceram mesmo antes da abertura oficial, com cinco seleções femininas de futebol – Reino Unido, Chile, Estados Unidos, Suécia e Nova Zelândia – repetindo o gesto antirracista do jogador de futebol americano Colin Kaepernick e se ajoelhando no início das partidas. As jogadoras da Austrália, por sua vez, posaram para fotos com uma bandeira representando os povos indígenas do país.

Recentemente, o COI (Comitê Olímpico Internacional) relaxou algumas de suas conhecidas restrições contra atos vistos como políticos, permitindo que atletas se manifestem em alguns espaços. Não houve qualquer punição às jogadoras, e novas manifestações deverão aparecer durante as próximas duas semanas.

“O esporte é um termômetro de como anda nossa sociedade”, diz Joice Berth, escritora, urbanista e ativista negra. “Ele é, junto com a cultura, um pilar importantíssimo para a formação das pessoas”, completa.

Marta comemora gol contra China na estreia da seleção brasileira nas Olimpíadas
Marta homenageia a noiva ao comemorar gol na estreia da seleção brasileira nas Olimpíadas de Tóquio
Foto: Molly Darlington – 21.jul.2021/Reuters

Diversidade nos Jogos

Além do protesto, o futebol feminino também mostrou uma das melhores jogadoras da história – a brasileira Marta – homenageando sua noiva, Toni Deoin, após marcar na vitória contra a China. Também nesta semana, o ponteiro Douglas Souza ganhou as redes sociais ao mostrar sua rotina na concentração da equipe masculina de vôlei expondo o orgulho de ser um atleta LGBT.

É uma realidade diferente de alguns poucos anos atrás, quando esse tema era visto como tabu e sofria rejeição de uma parte significativamente maior da sociedade.

Um outro indício da maior exposição do tema ocorreu no time de hóquei feminino da Alemanha – a capitã, Nike Lorenz, usará uma braçadeira com as cores do arco-íris para mostrar solidariedade às comunidades LGBTQIA+, em um ato autorizado pelo COI.

Nesta semana, dias antes da abertura oficial, o comediante japonês Kentaro Kobayashi, diretor artístico da cerimônia, deixou o cargo após sofrer uma onda de críticas por conta de um vídeo de 1998 onde fez uma piada que incluiu uma referência ao Holocausto.

“É muito bom que as manifestações contra a lgbtfobia, racismo e as discussões da pauta social estejam ganhando cada vez mais visibilidade no esporte”, diz Joice Berth. “Admiro muito os atletas, sobretudo os negros, que são muito corajosos em mexer com o senso crítico do público e aproveitam a visibilidade que eles conquistam através do esporte para colocar essa questões em discussão. Eles influenciam muito mais do que é aparente”, completa.

Joice diz esperar que atos do tipo sejam assumidos por atletas brasileiros especificamente durante as Olimpíadas, e também de maneira mais ampla. “Há uma história de negligência dos atletas quanto a questões sociais, inclusive entre aqueles que vêm da periferia e enfrentam uma série de dificuldades. Eles costumam deixar a crítica social de lado como se não tivessem responsabilidade no meio social”, afirma.

“São pessoas brilhantes que nos trazem não só alegrias, mas também muitos ensinamentos. Se não estão cumprindo essa função social, é o momento de pensar seriamente o quanto isso pode ser importante, até para a carreira deles. Espero que consigam cumprir esse papel e nos apoiem nessa luta contra o racismo, o machismo e a lgbtfobia – que, inclusive, influenciam para que muitos atletas sejam excluídos do esporte.”

Tedros Adhanom, diretor geral da OMS, e o premiê japonês Yoshihide Suga
Tedros Adhanom, diretor geral da OMS, se encontra com o premiê japonês Yoshihide Suga, um dia antes das Olimpíadas
Foto: Kazuhiro Nogi – 22.jul.2021/AP

 

Anticlímax olímpico

Enquanto os atletas se preparam para iniciar as disputas, permanece no ar a sensação de que a realização das Olimpíadas em meio à pandemia é um contrassenso, ainda mais em um momento que o Japão vive uma contaminação acelerada – na quinta-feira, a capital registrou 1.979 novos casos, maior número diário desde janeiro. O próprio chefe do Comitê Organizador dos Jogos, Toshiro Muto, admitiu nesta semana que as Olimpíadas poderão ser canceladas se o cenário se agravar.

Ao mesmo tempo, a competição sofre com a rejeição da população local e de boa parte da sociedade nipônica. O premiê Yoshihide Suga também sofre com índices de popularidade que beiram os 30% e não poderá contar com o público animado nos estádios e arenas para tentar reverter o cenário antes das eleições legislativas no país, que devem ocorrer até novembro.

Os atletas, logicamente, não estão imunes às preocupações com o novo coronavírus. Pelo contrário: segundo a organização, já são oito competidores que encerraram o sonho olímpico após testar positivo para a Covid-19 em Tóquio. Pelo menos cinco deles estavam alojados na Vila Olímpica.

Há também os casos de atletas que precisaram abandonar os Jogos antes do embarque – caso da atiradora britânica Amber Hill, número 1 do mundo na categoria skeet, que testou positivo pouco antes da viagem a Tóquio – e também aqueles que simplesmente desistiram de viajar por conta do risco.

O comitê organizador já soma 91 casos ligados diretamente aos Jogos antes mesmo da abertura oficial – e a perspectiva com o início das competições não é de melhora. Mas tudo começa oficialmente hoje, com o COI divulgando diariamente tanto o quadro de medalhas como a lista de contaminados.

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