O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, afirma que não há risco para segurança energética do país e pede que as causas sejam investigadas pela Polícia Federal.
A manhã desta terça-feira (15) foi marcada por um apagão que atingiu o Distrito Federal e 25 dos 26 estados brasileiros. Algumas cidades ficaram até seis horas sem luz. O governo ainda apura as causas, mas disse que não há risco para segurança energética do país.
A falha no Sistema Interligado Nacional foi exatamente às 8h31. A falta de energia se espalhou pelo país e prejudicou cerca de 29 milhões de residências e estabelecimentos comerciais.
“Eu estava começando a fazer minhas atividades diárias, me aprontando para sair para trabalhar, quando de repente veio o apagão inesperado para todo mundo. Não prestou mais o celular, nada funcionou”, conta a advogada Vânia Ayala.
Em São Paulo, o repórter Victor Ferreira teve que trocar o enfoque da reportagem que estava fazendo.
“Eu estou ao lado de um galpão da Receita Federal. A gente estava fazendo uma outra matéria aqui sobre mercados ilícitos, bens apreendidos, e aqui no galpão da Receita Federal também acabou a luz. Vários funcionários, dezenas de funcionários que trabalham aqui na logística, transportando, organizando toneladas de bens apreendidos tiveram que cruzar os braços, pararam de trabalhar. E um pouquinho de luz que tem para iluminar o galpão estava vindo do gerador do galpão da Receita”, relata o repórter.
Na maior cidade do país, algumas estações de metrô ficaram no escuro e os trens tiveram que reduzir a velocidade. Em Belo Horizonte, os passageiros foram obrigados a caminhar nos trilhos.
Norte e Nordeste foram as regiões mais afetadas, mas o apagão paralisou serviços importantes em quase todo o país.
Em Corumbá, os semáforos foram desligados e os serviços de telefonia ficaram suspensos temporariamente.
O gráfico do consumo de energia do Operador Nacional do Sistema Elétrico, ONS, mostrou os efeitos do apagão. Às 8h29 estava em 73 mil megawatts. Começou a cair às 8h31. Às 8h40 estava em 54 mil.
O gráfico do consumo de energia do Operador Nacional do Sistema Elétrico mostra os efeitos do apagão — Foto: Jornal Nacional/ Reprodução
O Sistema Elétrico Brasileiro cobre quase todo o país com um modelo integrado de transmissão de energia de uma região para outra. O estado de Roraima é o único fora desse sistema. Nesta terça-feira (15) não foi afetado.
No fim da manhã, Geraldo Alckmin, que estava no exercício da Presidência da República por causa da viagem do presidente Lula ao Paraguai, disse que o governo reagiu ao problema rapidamente.
“A gente deverá, em poucas horas, se tudo correr bem, estar tudo normalizado. Aí vai se investigar a causa dessa perda de carga. Mas a ação foi rápida do Ministério de Minas e Energia, dos seus técnicos, das equipes todas. E a recomposição está sendo rápida“, disse Geraldo Alckmin.
Segundo o ONS, a situação na região Sul foi normalizada às 9h05. Nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, às 9h33. E o sistema foi retomado no país todo às 14h49.
Na hora do apagão, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, estava com o presidente Lula no Paraguai. De lá, ele determinou a apuração dos fatos e voltou ao país. No início da tarde, se reuniu com a Agência Nacional de Energia Elétrica e o ONS.
Segundo ele, o ONS considera que houve dois eventos simultâneos em linhas de transmissão de alta capacidade: um ainda não identificado; o outro, uma sobrecarga no Ceará, que segundo o ministro, fez com o sistema entrasse em colapso naquela região.
O ministro explicou que, depois da falha, a ligação entre as regiões Norte e Nordeste e as regiões Sul e Sudeste/Centro-Oeste ficou prejudicada e, em seguida, foi interrompida propositalmente para proteger o sistema e evitar sobrecarga nessas outras regiões.
Alexandre Silveira disse na entrevista que o problema não tem relação com segurança energética nem com o suprimento de energia no Brasil; e que um relatório sobre o apagão vai ser divulgado em 48 horas. O governo não descartou que a falha tenha sido causada por ação humana.
“Eu tenho absoluta convicção que a ONS, até pela sua característica técnica, ela não vai ter condição de dizer textualmente se esses eventos foram eminentemente técnicos ou se houve também falha humana, ou até dolo. Por se tratar de um setor altamente sensível, além de determinar as apurações devidas e internas pela ONS, pela ANEEL, e pelas nossas vinculadas, eu estou oficiando o Ministério da Justiça para que seja encaminhado à Polícia Federal um pedido de instauração de inquérito policial para que se apure com detalhes o que poderia ter ocorrido, além de diagnosticar apenas onde ocorreu. Então, vamos encaminhar tanto à PF e quanto à ABIN a instauração de procedimentos para apurar eventuais dolos nesse ocorrido de hoje”, afirmou o ministro de Minas e Energia.
O ministro repetiu as críticas que o governo vem fazendo ao modelo de privatização da Eletrobras, mas disse que não pode apontar relação direta com o apagão desta terça-feira (15). A empresa de transmissão de energia do Ceará é uma subsidiária da Eletrobras.
“Eu seria leviano em apontar que há uma causa direta com relação a privatização da Eletrobrás. O que eu não posso faltar é com a coerência. A minha posição sempre foi essa e não vai deixar de ser, de que o setor estratégico como esse deve ter uma mão firme do Estado brasileiro”, disse Alexandre Silveira.
O Jornal Nacional procurou a Eletrobras mas não teve retorno.
No Nordeste
O apagão afetou milhões de pessoas na região Nordeste.
Um hospital que atende pelo SUS em Aracaju teve que parar tratamentos importantes.
“Quimioterapia a gente teve que interromper, radioterapia a gente teve que interromper, porque esses aparelhos, no caso radioterapia, tomografia, ressonância, consomem muita energia e nenhum gerador consegue manter o nível de energia necessário para a utilização desses aparelhos“, diz Rilton Morais, diretor técnico do hospital.
No Hospital da Criança, em São Luís, mais transtornos. Alguns exames foram cancelados – como, por exemplo, os de raio-x, por conta da falta de energia elétrica. Os aparelhos de ar-condicionado pararam de funcionar.
A principal avenida de Teresina fica bem no Centro da cidade e, por conta do apagão, o trânsito ficou um caos.
Em Pernambuco, o apagão atingiu 35% do estado: 1,5 milhão de estabelecimentos comerciais e casas ficaram sem luz. Diante da situação, o posto de saúde suspendeu o atendimento, as escolas liberaram os alunos mais cedo.
Escolas de Natal também suspenderam as aulas pela manhã e o comércio ficou às escuras.
“Tem carne que eu congelo e de repente acontece um negócio desses aí, a gente fica prejudicado. Vendo a hora de estragar qualquer tipo de alimento”, diz o comerciante Sezion Gabriel.
Em Alagoas, o abastecimento de água em Maceió e em vários municípios do interior ficou prejudicado. O apagão afetou 30% dos paraibanos.
Em Fortaleza, a linha sul do metrô deixou de funcionar, prejudicando o transporte de passageiros para a região metropolitana.
Na Bahia, dos 417 municípios, só dois não foram atingidos pelo apagão.
Na principal estação de transbordo de Salvador, centenas de pessoas passaram horas esperando pelo retorno do metrô; 350 mil pessoas utilizam esse sistema de transporte todos os dias na capital e na região metropolitana.
“Para quem depende do metrô, para quem precisa se comunicar, para quem não tem como voltar para casa, para quem está sem o recurso, está muito complicado“, lamenta a estudante Lívia Vieira.
No fim da manhã, a energia voltou em muitos bairros de Salvador. Mas o metrô continuou parado até o fim da tarde por causa de oscilações no fornecimento de energia nas linhas. Ônibus extras foram colocados nas ruas, mas saíam lotados. As duas linhas voltaram a operar no fim da tarde desta terça (15).
No Norte
Em algumas cidades da Região Norte, a energia só voltou totalmente depois de seis horas.
No polo industrial de Manaus, os funcionários do primeiro turno de uma fábrica foram dispensados e a produção do dia não aconteceu.
“Sem energia? Retorna para casa, não dá para trabalhar no calor também”, diz o operador Eduardo Jackson.
Teve comércio que funcionou a luz de velas.
“Tive um prejuízo grande com pão, porque quando passa da fermentação o prejuízo é grande”, diz o padeiro João Carneiro.
A usina hidrelétrica de Balbina, a cerca de 180 km de Manaus, garantiu um pouco da energia durante o apagão para a capital do Amazonas e outras três cidades da região metropolitana que precisaram de atenção nas unidades de saúde.
Todos os municípios de Rondônia ficaram quase três horas sem luz. A falta de energia acabou congestionando o trânsito e paralisando serviços essenciais. As escolas e o comércio também sofreram.
“Não funcionou caixa. Não funcionou terminal de venda. Tudo parado”, comenta o funcionário de farmácia Joelson Medeiros.
Em Belém, no Mercado Ver-o-Peso, em um dos setores mais movimentados, os vendedores voltaram mais cedo para casa. Nesta terça não teve poupa de fruta fresquinha e batida na hora. A máquina parou de funcionar. E na torneira, não pingava uma gota sequer de água.
“O que tinha feito, a gente não conseguia vender porque ficou sem internet, sem nada. Quando voltou energia, a água acabou e não voltou até agora”, diz a vendedora de polpa de frutas Neusa Reis.
Como era feriado estadual, o comércio e escolas não funcionaram.
Palmas ficou pouco mais de uma hora sem energia. Em algumas cidades do interior do Tocantins, a luz só voltou no início da tarde. Em todo o estado, a situação só foi normalizada cerca de seis horas depois. Uma agência do INSS ficou às escuras e obrigou muitos segurados a reagendar o atendimento.
“Eu estou saindo com as únicas entregas porque foram feitas antes do apagão”, conta o motoboy Eduardo Barbosa.
Durante a tarde desta terça-feira, a equipe do Jornal Nacional mostrou que as lojas do centro comercial continuavam na escuridão. As trabalhadoras estavam dando jeitinho para tentar fugir do calor.
Alguns dos transtornos registrados no momento do apagão foram a perda do sinal de internet e os semáforos parados, o que causou tumulto no trânsito.
“Está muito complicado se deslocar pela cidade com essa falta de energia. Inclusive enfrentando dificuldade de abastecimento”, diz o motorista de aplicativo Rudiney do Nascimento.