Guerra na Ucrânia e sanções à Rússia e Belarus deixaram mais evidente a situação, que traz riscos para a produção agropecuária brasileira
O Brasil disputa com os Estados Unidos a posição de maior consumidor mundial de fertilizantes. Dependente de importações, a agricultura brasileira traz de fora cerca de 80% do que usa desses nutrientes na sua produção e tem na Rússia seu segundo maior fornecedor. Dois deles, particularmente, preocupam o setor agropecuário neste momento: nitrogênio e potássio, obtidos respectivamente do gás natural e da mineração.
Fonte de 20% de toda produção mundial do complexo NPK, sigla para os nutrientes Nitrogênio, Fósforo e Potássio – fundamentais para a produção agrícola de grande escala – a Rússia tornou-se alvo da maior sanção econômica já aplicada pela comunidade internacional a um país na história moderna, derrubando a oferta de fertilizantes no mercado e colocando em xeque a autossuficiência do Brasil na sua produção agropecuária. A iminente escassez de fertilizantes no mercado mundial após a invasão da Rússia à Ucrânia trouxe à tona essa dependência, bastante desconfortável para o setor agropecuário do Brasil.
Diante desse cenário, não tem faltado quem defenda a produção nacional de fertilizantes a partir da exploração de suas próprias reservas de gás e potássio. A gravidade da situação foi a deixa para o presidente da República, Jair Bolsonaro, voltar a defender um projeto de lei que permite a exploração mineral em terras indígenas – o que, segundo ele, solucionaria o problema.
“Nosso Projeto de Lei n° 191 de 2020, ‘permite a exploração de recursos minerais, hídricos e orgânicos em terras indígenas’. Uma vez aprovado, resolve-se um desses problemas”, publicou Bolsonaro, nas redes sociais.
Potássio
Embora importe 95% do que consome, o Brasil possui a sétima maior reserva de potássio do mundo, distribuída em duas bacias sedimentares: a do Amazonas-Solimões e a de Sergipe. Ao todo, elas somam cerca de 13 bilhões de toneladas minerais potássicos, dos quais 92,3% encontram-se na bacia de Sergipe. É nessa região que o Brasil realiza, desde 1985, sua produção interna de potássio. A unidade foi vendida pela Vale à Mosaic em 2018 e, apesar da sua dimensão, conta com apenas uma pequena fração considerada efetivamente lavrável, que encontra-se próxima do seu esgotamento e até hoje é a única fonte de potássio no mercado nacional.
“Trata-se de mina há mais de 700 metros de profundidade, em rocha com grande grau geotérmico, tornando a operação um grande desafio técnico e tecnológico. Prosseguir com a lavra e manter o preço do minério competitivo com Canadá, Rússia e Belarus é muito difícil, pois, nestes países, a escala e os custos de produção são menores”, explica a Agência Nacional de Mineração (ANM).
Em nota, a Mosaic afirmou que os investimentos, neste momento, estão focados em projetos para aumentar a competitividade da produção interna e aumentar a vida útil da mina, mas não detalhou essas iniciativas.
São basicamente duas rochas nas quais é possível encontrar potássio, a silvinita e a carnalita. Enquanto a primeira é de fácil exploração, sendo a principal forma encontrada nas reservas do leste europeu, a segunda possui custos mais elevados e processos mais complexos para produção do cloreto de potássio.
“A silvinita é a mistura de dois minérios, o cloreto de potássio junto com cloreto de sódio, que é o nosso sal de cozinha. Então a separação é um processo mais simples. Já a carnalita é uma rocha que tem magnésio em sua composição, por isso o processo de separação é um pouco mais difícil. É é uma rocha um pouco menos solúvel, o que dificulta o processo”, explica o professor de adubos da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP), Rafael Otto.
A maior reserva brasileira de silvinita está na Amazônia, o que explica a pressão pela liberação da exploração mineral nessa região, na qual estima-se haver mais de um bilhão de toneladas do mineral. No município de Autazes, a Potássio do Brasil, controlada pela canadense Forbes & Manhattan, chegou a iniciar o processo para produção de potássio em 2015, quando o governo do Amazonas concedeu licença ambiental prévia à empresa.
O licenciamento, contudo, foi suspenso após acordo com o Ministério Público Federal em 2017. O órgão apontou a ausência de consulta às comunidades indígenas locais afetadas pela exploração, o que viola a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho da qual o Brasil é signatário.
Segundo informações divulgadas pelo governo do Amazonas na época, mais de US$ 2,5 bilhões seriam investidos na construção de um complexo industrial para a extração e tratamento do potássio com uma expectativa de atender até 25% do mercado de consumo nacional numa área localizada a oito quilômetros das terras indígenas de Jauary e Paracuhuba. O projeto, segundo a empresa, prevê, além da estrutura de processamento, a construção de uma estrada, linha de transmissão de energia elétrica e um porto em Urucurituba para o escoamento da produção.
“O Brasil sabe que tem potássio desde a década de 60 na Amazônia, no meio da floresta, a 2 quilômetros de profundidade no baixo do rio Tapajós, numa reserva indígena. Pensa um pouco: quando é que vão mexer com isso?”, questiona o diretor da Associação Brasileira do Agronegócio, (Abag), Eduardo Daher, ao destacar os altos custos envolvidos na exploração diante das deficiências logísticas e da própria complexidade da operação. “Não é como garimpar ouro, o potássio está a 2 quilômetros debaixo da terra, não conte com isso. Essa informação é absolutamente, na minha opinião, uma jogada política em ano de eleição”, afirma Daher.
Ureia e nitrogenados
No caso da ureia e outros nitrogenados, o professor da Esalq-USP, Rafael Otto, explica que o custo do gás natural no Brasil, um dos mais caros do mundo, inviabiliza a produção. “Não dá para competir com o nitrogênio da Rússia. A ureia da Rússia chegava nos portos de Paranaguá, Santos, Rio Grande e até mesmo no nordeste muito mais barato do que a Petrobras fertilizantes produzia”, afirma Daher, da Abag.
A estatal deixou o mercado de fertilizantes em 2016, alegando prejuízos com a operação e acertou, este ano, a venda de um de seus últimos ativos no setor, a unidade de Três Lagoas, em Mato Grosso do Sul. Ironicamente, o negócio foi fechado com um grupo russo Acron, o que o torna vulnerável às sanções impostas à Rússia desde a semana passada. Procurada, a empresa não se manifestou.
Fosfatados
Em fosfatados, embora a preocupação do setor com a oferta mundial seja menor e o Brasil tenha reservas da ordem de 300 milhões de toneladas diante de uma importação de 5 milhões no último ano, a demanda cresce num ritmo maior do que a produção no país. “O Brasil está aumentando a produção de fosfatado, mas o consumo cresce a uma taxa maior do que a abertura de novas plantas” destaca o professor da Esalq. Segundo Rafel Otto, a principal razão para essa deficiência tem nome e é antiga: custo-Brasil.
“Ainda é mais barato comprar do Marrocos, colocar num navio e trazer para o Brasil do que montar uma planta grande aqui no país” explica Otto. O Marrocos foi fonte de 38% do fosfato importado pelo Brasil em 2021, seguido da Rússia, com 31% e Arábia Saudita, com 11%.
Fonte: REVISTA GLOBO RURAL