Uigures do Afeganistão, incluindo soldados, temem ser deportados para a China, onde são vítimas de abusos por parte do governo
A remoção de militantes da etnia uigur pelo Taleban na fronteira do Afeganistão com a China pode significar uma coordenação política entre a organização jihadista e o Partido Comunista Chinês (PCC), na opinião de observadores internacionais. As informações foram levantadas pela rede de jornalistas Global Voices Online.
Um relatório da ONU (Organização das Nações Unidas) aponta que há 500 insurgentes uigures entre as forças talibãs, o que sugere que os detentores do poder central afegão teriam informações privilegiadas sobre a situação do povo de raízes turcas que habita a região autônoma de Xinjiang, no noroeste da China.
Segundo uma fonte do jornal The New York Times, os uigures residentes no Afeganistão, incluindo soldados, agora temem ser deportados para a China. Diante dessa varredura de Cabul, a comunidade de etnia muçulmana estaria “extremamente preocupada e nervosa”.
Em uma entrevista à rede Voice of America (VOA), o ativista uigur Abdugheni Sabit disse que “o Taleban terá que equilibrar sua voz oficial. Se o Taleban falar pelos muçulmanos uigures na China, isso pode aumentar sua reputação [globalmente]. Mas, ao mesmo tempo, o grupo teme perder o apoio da China”, declarou.
Questão estremece diplomacia
No começo de setembro, pouco depois de assumir o governo afegão, o Taleban manifestou apoio à causa uigur, povo que enfrenta discriminação da sociedade e do governo chinês e é visto com desconfiança pela maioria han, que responde por 92% dos chineses. Um posicionamento que inclusive poderia balançar a diplomacia entre Cabul e Beijing, que travam um conflito que dura anos pelo controle da região oeste de Xinjiang.
Pouco antes de fazer tal declaração simpática aos uigures, o porta-voz do Taleban, Zabihullah Mujahid, disse que seu governo dependeria principalmente de financiamento da China, e que o Taleban participaria do “renascimento do antigo projeto da Rota da Seda” por meio de uma parceria com os chineses.
Com abundância de minas de cobre no país e privilegiado pelo suporte chinês, o Afeganistão poderia recolocá-las novamente em funcionamento, além de modernizá-las. “A China é a nossa passagem para os mercados de todo o mundo”, concluiu Mujahid à época.
Dias depois, em uma reviravolta de discurso, Suheyil Shaheed, outro porta-voz do Taleban, declarou à estação japonesa TBS TV que os talibãs “defendem a justiça”.
“Espero que, quando visitarmos a China, falemos sobre a segurança e a igualdade dos uigures. Os uigures são cidadãos chineses, e todos os cidadãos deveriam ter direitos iguais, assim como os uigures”, afirmou, antes de acrescentar com cautela: “Certamente esperamos continuar nossa cooperação econômica com a China, o que certamente é bom para a China”.
Xinjiang em primeiro lugar
Como Xinjiang é a prioridade máxima para China, tanto pela questão de recursos naturais quanto de interesses estratégicos do PCC, o país potencialmente irá condicionar seus planos de ajuda e aporte financeiro a uma concordância geral em relação à questão uigur.
Tanto que, durante uma reunião com membros do Taleban na cidade de Tianjin, no nordeste do país, a China exigiu que os jihadistas deixassem o Movimento Islâmico do Turquestão Oriental (ETIM), um grupo separatista que visa criar um estado independente para os uigures.
O tema é um assunto tão delicado que países muçulmanos interessados em ter cordial relação comercial com a China consideram de bom tom optar por minimizar a questão dos uigures ou seguir rigorosamente a cartilha de Beijing sobre o asunto.
Diante disso, o Taleban tem uma moeda de dois lados em mãos: ou abraça a causa dos oprimidos ou garante os cofres cheios com o dinheiro chinês.
Por que isso importa?
A comunidade uigur habita a região autônoma de Xinjiang, no noroeste da China. A província faz fronteira com países da Ásia Central, com quem divide raízes étnicas e linguísticas.
Denúncias dão conta de que Beijing usa de tortura, esterilização forçada, trabalho obrigatório e maus tratos para realizar uma limpeza étnica e religiosa em Xinjiang.
Estimativas apontam que um em cada 20 uigures ou cidadãos de minoria étnica já passou por campos de detenção de forma arbitrária desde 2014. O governo chinês admite a existência de tais campos, que abrigam mais de um milhão de pessoas, mas alega que eles servem para educação contraterrorismo.
O governo de Joe Biden, nos EUA, foi o primeiro a usar o termo “genocídio” para descrever as ações da China em relação aos uigures. Em seguida, Reino Unido e Canadá também passaram a usar a designação, e mais recentemente a Lituânia se juntou ao grupo.